segunda-feira, 3 de maio de 2010

Crônica Esclarecimentos

Você lembra, lembra!
Daquele tempo
Eu tinha estrelas nos olhos
Um jeito de herói
Era mais forte e veloz
Que qualquer mocinho
De cowboy...
Você lembra, lembra!
Eu costumava andar
Bem mais de mil léguas
Pra poder buscar
Flores-de-maio azuis
E os seus cabelos enfeitar...
Água da fonte
Cansei de beber
Prá não envelhecer
Como quisesse
Roubar da manhã
Um lindo pôr-de-sol
Hoje não colho mais
As flores-de-maio
Nem sou mais veloz
Como os heróis...
Sapato Velho -omposição: Mu - Cláudio Nucci - Paulinho Tapajós


Olá meus queridos amigos, hoje estive me perguntando se vocês ainda lembram quando nos tornamos amigos, ou por que razões gostaram de mim para me considerar uma amiga de vocês... Se ainda lembram de como eu era, o que me divertia ou o que me entristecia, se lembram de algum dos momentos em que rimos juntos e do que foi que rimos? Me perguntava estas coisas porque eu não tenho certeza se consigo me lembrar destas coisas, de quem eu era, o que fazia, o que me dava alegria de verdade, ou melhor, lembro de que certas coisas me deixavam feliz de uma maneira muito doce e inocente, coisas que infelizmente eu perdi. É preciso que eu lhes explique algumas das implicações do que me aconteceu em 2008.Um traumatismo cranioencefálico causa em todas as suas vítimas algumas seqüelas, umas eu sei que vocês já sabem porque são visíveis: Como a hemiplegia (a paralisia de um dos lados do corpo que faz com que não possamos andar ou movimentar um dos braços) neste caso tive alguma sorte, depois de cinco semanas de reabilitação voltei a andar, embora não possa cortar com as minhas mãos os alimentos. Mas há uma seqüela que não é assim tão obvia, e eu acho que é tão castradora quanto não poder andar. Vou lhes explicar do que se trata: chama-se Heminegligência, termo ao qual fui apresentada no hospital Sarah Kubistcheck em Salvador. Significa que uma pessoa que sofre um trauma cerebral perde parte da atenção do campo visual em um dos lados do que vê, e devido a isto torna-se um perigo para si própria, perde a independência, já que não pode andar pelas ruas desacompanhada sob o risco de ser atropelada ao atravessar uma rua por simplesmente não perceber a aproximação dos veículos no trânsito. Esta era uma das coisas que me dava esta alegria doce: caminhar num fim de tarde nas ruas do centro, parar e comer uma torta de frango com um café com leite numa padaria, ir do centro à faculdade a pé. Mas perdi estas coisas porque não posso caminhar mais sozinha no centro, aliás nem no meu bairro. O motivo de eu estar lhes contando isto é uma preocupação que surgiu em mim hoje: Se algum dia vocês me virem por aí e quiserem falar comigo, pode acontecer de eu não os ver, por favor compreendam, não é porque não queira falar com vocês, é que se vocês vierem na minha direção pela minha esquerda pode ser que eu não os veja, por isto se me virem caminhem até mim pela minha direita. Já perdi muitas coisas, não quero perder a amizade de vocês por uma coisa tão tola quanto não vê-los. Sinto saudades de encontrá-los, sentar em uma mesinha de bar, pedir um caldinho ou espetinho de coração de frango e tomar alguns goles de cerveja com aqueles com os quais já fiz isso, sinto saudades de subir na minha moto e pilotar por alguns minutos e chegar a qualquer ponto do estado por conta própria do sertão ao litoral, era uma liberdade boa de viver, sinto saudades do palco, da pracinha de matemática na faculdade, do corredor de Letras, de certos cafés que eu mesma preparei e não preparo mais porque há medo de que eu me queime. Não quero que vocês tenham pena de mim, estou bem, me acostumando à nova realidade, mas não sem lutar para modificá-la. Faço muito tratamento para me reabilitar, a questão é que como tudo na vida leva tempo, talvez algum dia voltemos a fazer o que fazíamos juntos antes de me acontecer isto...
Até porque parei, temporariamente quase todos os meus projetos, que não eram poucos, ficaram inéditas duas peças de teatro, o Livro por publicar, o TCC por terminar, estou cuidando dessas coisas também enquanto me trato. Com exceção das peças de teatro que não estamos ensaiando, mas o TCC e o Livro são projetos em andamento.

PS.: Queria não tocar neste assunto outra vez, o acidente, as seqüelas, as dificuldades... mas não há como fugir do tema. Às vezes é necessário desabafar, desengasgar de algo que nos incomoda, e escrever é a melhor maneira que eu conheço pra fazer isto.
Por favor, não deixem de responder a este texto, quando vocês me respondem não tenho a sensação de que estou escrevendo para ninguém...
Mônica