"Resolvi postar esta Crônica a pedido de um amigo, que segundo ele, é a que mais gostou, sobretudo no que fala do barro vermelho da minha terra"
Crônica da Mônica
12 de Abril de 2005
O que há de extraordinário nisso?
Eu, a Moto, a pista, a noite, a chuva, os caminhões, a lama, os faróis, a água descendo pelo meu rosto, a água descendo pela viseira, a roupa molhada, o punho gelado, e o velocímetro em 70, o gosto da água da chuva, o cheiro do vento frio, as borboletas batendo na carenagem...
Na noite anterior que diferença: eu, deitada no banco de trás do carro, um irmão dirigindo, o outro calado, a Enya tocando no rádio, madrugada, o céu claro e estrelado. Eu só podia ver rapidamente; os postes que cruzavam sobre a pista, os fios de eletricidade e o galho de alguma árvore. Deitada no banco de trás o céu parecia imóvel. A mesma estrela me acompanhou por todo o caminho.
Não havia estrelas no céu hoje e a luz vinha mesmo dos postes, dos faróis que refletiam em cada gota de água na viseira do meu capacete.
Na noite de hoje eu fiquei bem na lanterna, meus irmão me deixaram bem pra trás. Eu corria pouco, chovia muito e a cada caminhão que passava a sensação de frio e de resistência do ar, claro, era maior. A cada curva a lanterna da moto em que eles iam parecia que ficava mais distante.
A rodovia dá uma sensação de liberdade que demorei a perceber, nem faz muito tempo que comecei a pilotar minha Biz (se chamar de moto alguém pode estranhar), mas assim com os irmãos, de madrugada, voltando pra casa, na rodovia, é liberdade doce, suave, gostosa. Sem pressa, sem tráfego, com aquela sensação de mais um dia vivido, com aquela sensação de retornar ao lar.
Sabe do que mais? Nenhum dia é igual ao outro. Daí hoje apareceu a chuva pra renovar as sensações, pra lavar a alma, pra me batizar. Já não morro pagã. Depois da odisséia AL 115 com chuva numa Biz, tive certeza: eu precisava experimentar essa viagem.
Quando a rodovia acabou, veio a lama até a minha casa. Morar no sítio é bom mas há dias em que é preciso um pouco mais de coragem pra sair pro mundo. A lama do Bom Nome é vermelha igual fruta de Safroa, a lama do Bom Nome desliza e a água toda corre na direção da pista, a lama do Bom Nome não sai nunca mais da pele da gente. (acho até que não sai nunca do coração de quem vive aqui também). A moto patinava em certos pontos, dançava como se ouvisse música. Eu tinha medo. A moto dançava e meu coração parecia sair do lugar, meus irmãos na outra moto iam calmos bem à frente e seguiam reto, eu buscava caminhos, trilhas mais enxutas e quando finalmente cheguei em casa tive uma deliciosa sensação de que venci um desafio, que completei outra jornada, de que descobri algo novo, um gosto bom na boca, uma paz de espírito...
Pendurei as roupas molhadas na varanda e fui até a sacada pra olhar a rua. Estrada com lama, chuva refletindo na luz do poste, som de sapos cantando na lagoa lá em baixo perto do areal e as folhas da árvore em frente a casa brilhando, brilhando. Vento frio no rosto e silêncio dentro de mim.
Noites como essa em que nada de extraordinário acontece é que percebo que coisas a toa são o suficiente pra se gostar de viver, basta saber sentir.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário